A relação entre o que se come com a saúde bucal é óbvia para os cirurgiões-dentistas, no aspecto de a alimentação poder alterar os dentes e a mastigação. Porém, ainda não é determinado até que ponto alguns alimentos são prejudiciais - e outros benéficos -, e como o cirurgião-dentista deve agir ao constatar uma erosão dentária, cárie e outros problemas que podem estar ligados à alimentação. Será que o profissional deve partir para a avaliação nutricional do paciente e saber quais alimentos indicar? Ou deve haver uma parceria com o nutricionista do paciente?
Na atualidade, sabe-se que a alimentação é, em geral, mais industrializada - até por facilitar o dia a dia agitado nos centros urbanos. Com isso, também pode conter menos minerais, vitaminas que favorecem a dentição, além de possuir outros fatores que podem prejudicar a saúde bucal. A dieta produz um efeito local na integridade dentária e na microbiota oral por meio da frequência de consumo de alimentos, que determina o número de oportunidades para a produção de ácido e redução do pH salivar.
Para determinar quais alimentos podem ou não causar cáries, além de mostrar quais podem auxiliar na prevenção ou controle da deterioração do dente os alimentos da atual dieta brasileira podem ser separados em três categorias: positivos (anti-cariogênicos), neutros (cariostáticos) ou negativos (cariogênicos).
Os alimentos cariogênicos contêm carboidratos fermentáveis e são capazes de reduzir o pH salivar para 5,5 ou menos e estimular o processo de cárie. Destaca-se neste grupo: os açúcares adicionados, doces, grãos e amidos presentes em salgadinhos, pães, bebidas de frutas, refrigerantes, bebidas açucaradas, doces em geral e em algumas frutas.
Já os alimentos considerados cariostáticos, não são fermentáveis pelas bactérias, são eles: os alimentos fontes de proteínas, seja de origem animal ou vegetal, como as carnes em geral, ovos, leguminosas e oleaginosas, ou também os ricos em fibras alimentares, representados, principalmente, pelo grupo dos legumes e verduras.
Os alimentos anticariogênicos são aqueles que impedem a placa de reconhecer um alimento acidogênico, quando ele é consumido primeiro. Além de não ser fermentável, apresentariam ação antibacteriana. Alguns adoçantes, como o xilitol, bem como os queijos de maior cura também ajudam na elevação do pH, colaborando para a não progressão da cárie. A goma de mascar sem açúcar também pode reduzir o possível desenvolvimento da cárie, mas, por outro mecanismo de ação, que é o aumento do fluxo salivar.
A denominada "autolimpeza dos dentes" não existe do ponto de vista periodontal, mas os alimentos fibrosos (dentro da categoria de cariostáticos) podem ser acrescentados à dieta do paciente para substituir alimentos de alta adesão aos dentes. As fibras não apresentam uma alta adesão, sendo menos cariogênicas e menos ricas em carboidratos fermentáveis.
Com a redução no consumo de alimentos fibrosos, como as frutas, legumes e verduras, e o avanço no consumo de alimentos industrializados, também há menor esforço de mastigação. Com isso, há diminuição da força mastigatória, podendo levar à perda dentária em idosos ou ao comprometimento da musculatura orofacial em lactentes e crianças. Além disso, a mastigação, que favorece a secreção da saliva, cuja função é tamponante, está cada vez mais rápida e deficiente, seja pela perda dentária, mas, principalmente, pela correria diária.
A ingestão de alimentos ácidos tem se tornado cada vez mais frequentes, devido aos alimentos industrializados, como os refrigerantes, que podem causar erosão dentinária. Seu efeito guarda relação com o ácido bacteriano, entretanto, aparece nas superfícies lisas linguais dos dentes ou vestibulares dos anteriores. A redução do pH leva a uma desmineralização dessas superfícies, que, se acrescidos de hábitos parafuncionais, como o ranger de dentes ou a escovação inadequada, podem acarretar a perdas significativas da estrutura dentária. É recomendada a orientação do paciente quanto à substituição dos alimentos ou, caso esta não seja possível, o uso de manobras que reduzam o dano, como o bochecho para a neutralização mais breve possível do pH ou a remoção do hábito parafuncional.
A afta não apresenta, ainda, uma causa definida. Existe a constatação de que, para muitos pacientes, a ingestão de alimentos ácidos, como frutas cítricas, e condimentos, como pimentas e temperos, pode estimular o surgimento das aftas. Portanto, também está relacionada à alimentação.
A halitose pode ter relação ao baixo consumo de água. Isso leva à redução da salivação e a formação de saliva mais serosa, o que minimiza o efeito de autolimpeza da boca e o acúmulo de restos alimentares e de células mortas da mucosa.
Outro problema bucal relacionado ao baixo consumo de água é a xerostomia, sintoma que, na maioria das vezes, deve-se à diminuição ou falta da saliva. O consumo de água reflete no volume salivar e, indiretamente, longos períodos de jejum também levam a tal redução. Os alimentos de consistência pastosa ou amolecida também estimulam pouco a salivação, pois não demandam tanta mastigação. Ou seja, um item primordial na alimentação, que irá favorecer a saúde bucal, é a água.
Casos especiais
1. Crianças
Nas crianças, especialmente, a redução do uso da musculatura mastigatória, devido aos alimentos industrializados, pode levar ao desenvolvimento incorreto dos ossos maxilares, com possíveis distúrbios oclusais e formação de problemas na mordida. Esses mesmos alimentos, normalmente, apresentam alta concentração de carboidratos fermentáveis e de adesão à superfície dentária.
Além disso, a alimentação cariogênica - por exemplo, os doces ou as bebidas açucaradas - é ofertada muito cedo às crianças, às vezes já na mamadeira durante o dia e, principalmente, antes de dormir, hora na qual a redução no fluxo salivar e o extenso período sem higienização são severamente danosos ao esmalte dos dentes. Dando início à chamada 'cárie de mamadeira' ou cárie de início da infância.
No caso dos idosos, é importante que eles mantenham uma dieta rica em todos os grupos alimentares, e com diversas formas de preparação, para evitar problemas sistêmicos. E, mais especificamente, a manutenção de várias técnicas de preparação vai evitar a presença de alimentos pastosos, que são mais aderentes e de maior risco de cárie, mas, principalmente, vai propiciar a manutenção do tônus e potência muscular.
3. Gestantes
Para as gestantes, as recomendações são as mesmas dadas à população em geral, ou seja, adoção de hábitos saudáveis e de uma alimentação equilibrada. Embora a recomendação de algumas vitaminas e minerais seja maior em função do estágio fisiológico, como a vitamina C, o zinco e o folato. O acompanhamento nutricional deve ser mais intenso nesta fase da vida.
Odontologia e Nutrição
Todo cirurgião-dentista deveria ser capaz de reconhecer alterações na dieta de um paciente, passíveis de afetar a condição de saúde e a integridade de tecidos duros e moles da boca, além de passar orientações básicas de adequação da dieta e encaminhá-lo ao profissional especialista na área, o nutricionista. Visite o site do Ministério da Saúde, conheça o Guia Alimentar Para a População Brasileira, disponível em http://nutricao.saude.gov.br/guia_conheca.php. Esse guia é um instrumento que pode apoiar o profissional em suas orientações e também os pacientes interessados em prevenir problemas futuros de saúde bucal e geral.
Fonte: http://www.odontomagazine.com.br