sábado, 27 de julho de 2013

Cirurgias de redução de estômago: a odontologia na balança




Uma pesquisa inédita revela as alterações odontológicas do pós-operatório de uma das cirurgias de redução de estômago mais comuns no País, a Fobi-Capella. Alguns pacientes submetidos há mais de cinco anos apresentaram aumento excessivo de cáries, xerostomia, descal­cificação dentária, além de distúrbios alimentares (anorexia e bulimia).

A apuração da epide­miologia bucal revelou um quadro alarmante. Dos 45 pacientes operados antes de dezembro de 1999 acompanhados pela equipe no ambulatório da Clínica Cirúrgica do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCUSP), 88,9% apresentavam bruxismo noturno; 96,6% boca seca; 90% aumento do número de cáries, principalmente em superfícies lisas e 95% descalcificação dentária na superfície do esmalte. As possíveis causas destas alterações na saúde bucal ainda não foram apuradas.

São várias as hipóteses consideradas pelo grupo. As alternativas incluem alteração do pH salivar, que diminui a capacidade tampão da saliva; refluxo gastroe­sofágico; vômitos freqüentes; diminuição da secreção gástrica e redução da saliva e diminuição de absorção de nutrientes. E em relação ao bruxismo, o problema pode ser uma manifestação de tensão ou agressividade do paciente.

Estes casos fazem parte de um estudo multidisciplinar conduzido por cirurgiões-dentistas, cirurgiões gástricos, médicos e psicólogos.

Bruxismo

A psicóloga Marlene Monteiro da Silva, integrante da pesquisa, estuda pacientes portadores de obesidade mórbida há 20 anos. Ultimamente tem monito­rado os indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica há cinco e nove anos. Uma das questões estudadas por ela é o crescimento da agressividade do paciente após a intervenção, o que poderia justificar, em alguns casos, o aumento do bruxismo (ranger dos dentes).
Segundo Marlene, a agressi­vidade no estágio pré-cirúrgico pode ser camuflada com a obesidade. O excesso de comida é uma maneira encontrada pelo paciente para lidar com este problema. Após a cirurgia, torna-se difícil, inicialmente, ingerir a mesma quantidade de alimento. A restrição diminui o autocontrole do indivíduo operado, que passa a apresentar comportamentos mais agressivos. Apesar de muitas vezes o paciente não se dar conta desta postura, inconscientemente procura outra forma de atenuar o medo perante a agressividade. Por isso troca a compulsão por outros transtornos alimentares. “O bruxismo, neste caso, é uma forma de conter a raiva através do ato de ranger os dentes”, teoriza a psicóloga.
Em sua pesquisa com 75 pacientes operados, a média de peso após dois anos de cirurgia foi de 76,72 quilos e entre cinco e nove anos, de 90 quilos. “A diferença é significativa, mesmo considerando o ganho esperado de 10 quilos. E 7,84% preservaram o peso ideal ou emagreceram demasiadamente”, afirma a psicóloga.
Outra forma de compulsão é o consumo de álcool. O índice de alcoolismo entre os pacientes antes da cirurgia era de 2%. O índice subiu para 18% no período estudado pela equipe.

Entendendo melhor o problema

A obesidade é definida como um excesso do acúmulo de gordura no corpo. Enquadram-se como obesos os indivíduos com índice de massa corpórea (IMC) – peso dividido pela altura ao quadrado – maior que 30. Quando este acú­mulo atinge proporções exageradas, isto é o IMC ultrapassa os 40 quilos por metro quadrado, passa a ser chamado de obesidade mórbida. Para os casos de obesidade mórbida com doenças associadas, como hipertensão e diabetes, que não obtiveram sucesso em outros tratamentos contra a obesidade, indica-se a cirurgia de redução de estômago, também conhecida como cirurgia bariátrica. Mara­dona, o craque argentino, é um dos mais célebres pacientes deste tipo de alternativa para perda de peso.

As cirurgias de redução de estômago são divididas em três tipos: restritivas, desabsortivas e mistas. Os procedimentos restritivos limitam o volume de alimento sólido que o paciente ingere nas refeições. As técnicas desabsortivas desviam uma boa parte do caminho por onde os alimentos têm que passar, reduzindo a capacidade de absorção dos nutrientes no trato digestivo.
As técnicas mistas associam o conceito de restrição da in­gestão do bolo alimentar com a desabsorção (desvio intestinal menor). A técnica mais empregada no País atualmente, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica (SBCB), chama-se a Fobi-Capella ou by-pass gástrico com anel. Consiste na redução do estômago através do gram­peamento. O órgão é dividido em duas partes, uma menor, com capacidade aproximada para 30 ml, por onde o alimento transita, e outra maior, que permanece isolada. A pequena câmara, conhecida também como neocâ­ma­ra, é ligada ao intestino para que o alimento possa seguir seu curso natural. Além de limitar o volume de entrada do alimento, a Fobi-Capella reduz ainda a velocidade de esvaziamento do estômago com a aplicação de uma banda de contenção.
São justamente os sintomas apresentados por um grupo de pacientes submetidos à Fobi-Capella nos últimos cinco anos o objeto de estudo de um grupo multidisciplinar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCUSP). O levantamento verificou que estes indivíduos apresentam aumento significativo de cáries, descalcificação dos dentes, bruxismo durante o sono e xerostomia, além de alcoolismo, e distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia.


Fome de viver

A obesidade, considerada hoje uma das doenças mais graves da humanidade, tornou-se um novo problema de saúde pública. Como a cárie, sua origem é multifatorial, ou seja, não existe uma única causa para sua existência. A cirurgia bariátrica é um procedimento efetivo no tratamento da obesidade mórbida. Porém, apesar do número crescente de cirurgias, são poucos os dados de avaliação pós-cirúrgica multidisciplinar para identificar as possíveis complicações e as alternativas para corrigi-las em uma equipe multidisciplinar.
A ocorrência de complicações representa importante decepção para o paciente, que pode não apresentar uma estabilidade emocional consistente na maioria dos casos. Daí a necessidade de atendimento psico­terapêutico especializado no pré e pós-cirúrgico imediato e acompanhamento pós-cirúrgico dos obesos mórbidos. O adequado preparo é indispensável para melhorar a assimilação e cooperação do paciente quando surgem os problemas inesperados.
O trabalho em equipe mul­tidisciplinar de suporte é imprescindível e é considerado um pré-requisito para o desenvolvimento de um projeto de cirurgia ba­riátrica em um centro especializado. Assim as complicações pós-operatórias são prontamente corrigidas pela equipe multi­disciplinar logo após a detecção.

“Nós, cirurgiões-dentistas, fazemos parte deste contexto, dentro deste acompanhamento pré e pós-operatório imediato e no fol­low­ up”, a­fir­ma a odontopediatra e a­ssistente do Setor de Endo­crinologia e Metabologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Maria Cecília de Luca Lemos, também membro da pesquisa com os pacientes submetidos à gastroplastia redutora Fobi-Capella. “No Brasil, a prevalência de obesidade aumentou muito na última década. Em especial para os adultos do sexo feminino, chegando a 13,3%; a taxa de ascensão da obesidade é de 0,36% ao ano para a população feminina e de 0,20% ao ano para a população masculina”, esclarece. Em sua opinião, a obesidade deve ser encarada como um problema de saúde pública de causa multi­fatorial e de espectro mundial e combatido com campanhas de orientação e conscientização.



O Brasil acima do peso
Trinta e oito milhões de pessoas (40% da população brasileira) estão acima do peso, com IMC igual ou superior a 25. Os dados pertencem à Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A briga com a fita métrica é acentuada com a idade, mas os homens têm maior facilidade para acumular peso extra de forma mais rápida do que as mulheres.
O estudo encontrou um maior número de brasileiros com so­bre­peso na faixa dos 20 aos 44 anos e na zona urbana. Já as brasileiras aumentam o peso nas faixas etárias posteriores e há mais mulheres com este problema nas zonas rurais do que nas cidades.
Do total de brasileiros acima do peso, 8,9% dos homens adultos e 13,1% das mulheres adultas do País podem ser considerados obesos, com IMC igual ou superior a 30. Os obesos representam cerca de 20% do total de homens e um terço do total de mulheres com excesso de peso, segundo o IBGE.

Fonte: Revista ABO Nacional n.73